AGIR JUNTAS é tecer REDE DE CUIDADOS!
O Curso de formação para promotoras territoriais de redes de cuidado do projeto Mulheres em Defesa da Vida – memória, cultura e manejo da terra, Termo de Fomento nº 1481000555/2021, celebrado com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais, é um desdobramento do Ribeirão em Defesa da Vida, projeto iniciado na pandemia com foco na promoção de ações emergenciais em territórios de Ribeirão das Neves. Contando com metodologias inovadoras, o Ribeirão está centrado na capacidade de autodefesa territorial exercida por mulheres através do estabelecimento de redes. Agora o projeto avança com o fortalecimento de mulheres lideranças e visa reforçar os vínculos comunitários entre elas – focando, principalmente, no estabelecimento de Redes de Cuidado. Sempre em busca de reflexão, prática e construção de estratégias comuns de defesa dos territórios.
A primeira oficina aconteceu na Vila Bispo de Maura – Ribeirão das Neves.
“Aqui estamos nós, depois de uma longa jornada esse grupo que se conheceu e se fortaleceu durante a pandemia se reconecta para prosseguir” – celebrou Ana.
Esse dia foi marcado por um reencontro potente que começou com trocas sobre o que este grupo de mulheres viveu e experienciou nos últimos dois anos. E como o Ribeirão em Defesa da Vida, e esta rede de cuidados, foi e tem sido fundamental para enfrentar os desafios cotidianos que foram ampliados significativamente neste período.
“Se tivesse sido um processo assistencialista teria acabado. Foi muito forte… O que temos hoje é para fortalecer por muito tempo”, disse Camila.
É da força coletiva que surgem caminhos para enfrentarmos os desafios. De transporte público a vida em família, volta aos estudos, cuidado com o corpo, voz ativa na vida dos filhos, medos, ensinamentos às mais novas, possibilidades nos territórios…
“O Ribeirão nos possibilitou prestar atenção em casa e em nossas ações no território. A favela é imensa e os problemas são tão grandes quanto ela”, foi o testemunho da Marluce… E Camila completou: “O sistema faz as pessoas amolarem a faca que as fere”.
Já a segunda oficina teve o tempo como principal temática, na Casa dos Livros.
“O tempo das mulheres é todinho cronometrado.”
São muitos os relatos de cotidianos corridos e dedicados aos outros, e cada um deles se reflete na vida da outra. Nesse encontro, pensamos em como o assalto do tempo é premeditado.
As mulheres compartilharam vivências e a percepção de que não sobra tempo nem energia para cuidarem de si mesmas. E como a vida poderia ser estruturada de outra forma, mas quem está ao redor se beneficia disso. São os homens, a estrutura do patriarcado, o sistema, os patrões e até os filhos.
Na maior parte das vezes, as mulheres pensam: “Se não sou eu, vai ser quem?”. E seguem sendo atravessadas por muito adoecimento e sobrecarga.
São muitas as tarefas diárias, mas é preciso disputar o tempo! E isso é político. Porque DECIDIR COM AUTONOMIA O QUE SE FAZ COM O PRÓPRIO TEMPO É POLÍTICO.
Então, estas mulheres que já tecem juntas uma REDE DE CUIDADOS, puderam nomear, desenhar umas às outras, olhar nos olhos, ser percebida, receber uma massagem guiada e dizer das suas experiências Nesse primeiro passo da retomada do próprio tempo, conseguiram desacelerar, trocar práticas e dispositivos de disputa desse tempo e cuidar, mesmo que um pouquinho que seja, de si.
O terceiro dia de oficina foi no Aglomerado da Serra, em uma aula aberta pra cidade! Um encontro potente e cheio de cumplicidade entre as Mulheres em Defesa da Vida e as Mulheres da Quebrada!
Olhos nos olhos, tudo começa abrindo espaço para o reconhecimento … Porque somos feitas de outras. Inclusive das que vieram antes de nós. Houve um convite para convocar a memória de uma mulher que possibilitou tornar a nossa vida vivível e guardar esse nome – escrito em um papelzinho – perto do coração.
Uma escuta guiada abre a busca de sensações no corpo. Quais as dores? Quais os prazeres? Quais as percepções dele?
Em um grande corpo de mulher, desenhado com chita no chão, as dores e prazeres foram socializados pelo grupo. Cada mulher dividiu seus prazeres e dores e foi formando a cartografia desse corpo coletivo Dói mais a cabeça e o coração com preocupações, angústias e dores, mas também os pés que nos carregam em dias inteiros de trabalho, de casa.
Os prazeres também estão ali… O nascimento do netinho, a cantoria rodeada de gente, o amor próprio, o silêncio de quando ninguém acordou ainda… a coletividade. E tudo isso é sustentado pelas práticas e potências de cada uma. Muitas falaram da capacidade de escuta – tão fundamental e rara. Como disse a Isabel:
“Enquanto eu escuto eu estou ganhando tempo de ajudar. E quando eu termino de escutar, o problema já está meio caminho andado”.
Mas como também nos lembrou a Sheila:
“Não tem como você cuidar do outro e se esquecer. A coletiva traz muito disso”.
Porque temos um corpo que é habitado por histórias, memórias, dores, prazeres que compõem nossas práticas, que é o que fazemos no mundo, nossa ação umas pelas outras e pela nossa comunidade.
Cada corpo é um território, e também um nó forte que tece essa REDE DE CUIDADOS.
Durante a quarta oficina, as mulheres se encontraram novamente na Vila Bispo de Maura. Respirar, sentir e soltar o corpo,até dançar, por que não? E juntas, além de gostoso, é tão bonito! Um encontro para aprofundarmos nossas aprendizagens sobre a defesa de nossos corpos precisava mesmo começar assim. E se no encontro anterior, exploramos um pouco o corpo-território, agora é preciso parar para refletir sobre tudo que fazemos, sobre o que fazemos umas pelas outras, sobre o que fazemos por nós mesmas.
As mulheres-inspiração desse curso, as Mulheres em Defesa da Vida, são mulheres que estão realizando escutas e construindo pontes que tornam a vida vivível. “E pra que serve a ponte se não para atravessar pessoas? Somos ponte: a gente articula, a gente quer falar, a gente quer ouvir, a gente ajuda” foi o que trouxe Alexandra, moradora da Ocupação Paulo Freire, uma das convidadas deste encontro.
E muitas vezes, nem se percebe o quanto é feito pela comunidade, família, companheiro/a, filhos/as, amigos/as. Mulheres que acolhem, resolvem problemas, lutam por direitos, constroem saber junto. São formas de promover cuidado e garantir a vida. Às vezes, é chamado de amor, mas também é trabalho. São PRÁTICAS POLÍTICAS que garantem a existência nos territórios.
Mas como garantir essas práticas se não for uma via de mão dupla. Quem cuida de quem cuida? O que fortalece cada uma?
Não tem resposta certa, nem única. Pode ir desde o sagrado, a terra,até os pequenos objetos de uso cotidiano. São coisas muito particulares porque cada uma tem as próprias vivências, dores e alegrias. O importante é se perceber, produzir conhecimento sobre si mesma, e, principalmente, produzir ferramentas de autocuidado e estratégias de cuidado coletivo. E no coletivo, cultivar e defender nossas práticas.
O coletivo se fortalece com as diferentes trajetórias e habilidades, podendo construir e desconstruir, aprender com acertos e erros das outras.
Redes de Cuidados é defender nossa memória, este foi o tema da quinta oficina que aconteceu, muito apropriadamente, na Casa dos Livros.
Quais histórias são contadas sobre as mulheres? Mulheres negras, periféricas, mãe solo, assentadas, moradoras de favelas, trabalhadoras domésticas? Como são retratados os filhos, os territórios e os corpos nas manchetes de jornal? O que diz a polícia? As patroas?
Falar sobre história é falar sobre disputa. É como diz um provérbio nigeriano: “Até que os leões contêm suas próprias histórias, os contos glorificarão o caçador.”
Então precisamos nos perguntar: Quem acaba por contar nossas memórias? Quem acaba por contar a história dos nossos territórios? Com quais interesses?
É o apagamento das nossas histórias, de quem somos, de quem podemos ser! É preciso um exercício cotidiano de firmar a verdadeira história em relação a si mesma e as outras. Isso também é REDE DE CUIDADOS.
A memória territorial e a defesa da autonarrativa foi o tema do sexto dia de oficina.
Quando o território em que se vive é fruto de luta, território e corpo se misturam. Porque o próprio corpo foi a garantia da permanência daquele espaço. A memória do lugar e da própria vida se integram. É o que percebemos ouvindo a trajetória de cada uma das mulheres presentes e de seus territórios. Como começaram, por onde cresceram, as alegrias, quais desafios enfrentaram (e enfrentam) e como seguem firmes.
Apesar de todas as forças de apagamento que dão créditos aos homens, são elas que estão ali, cotidianamente, abrindo ruas, lutando por escolas, parando BR pela chegada do transporte. Sabemos que elas foram e são colunas que sustentam as comunidades e impactam diretamente na vida dos que vivem ali. Com pés que doem das caminhadas pela vizinhança, ouvem e acolhem demandas e dificuldades de tantas – além das que cada uma já vive e carrega pessoalmente.
Cada uma dessas mulheres tem um mapa emocional de seu território e são agentes políticas de suas comunidades. A linha que costura uma REDE DE CUIDADOS fundamental para tornar a vida vivível. Nós, mulheres, construímos territórios. Nós, mulheres, produzimos cidades! É preciso reconhecer!
Este foi um encontro potente, de muita inspiração e, quem sabe, de abertura para uma nova trilha… Pensar estratégias coletivas com outras mulheres-lideranças! Porque as mulheres estão em diversos territórios de Ribeirão das Neves, e em periferias de todo país, garantindo a vida!
O sétimo encontro foi provavelmente o mais denso do curso. A oficina foi sobre “Território” e realizamos, coletivamente, um mapeamento dos problemas enfrentados pelas mulheres em cada um dos territórios presentes ali. A troca de experiências e saberes foi (e sempre é) riquíssima!
Questões fundamentais como saúde, infraestrutura, violência e educação são pautas nas lutas cotidianas das Mulheres em Defesa da Vida. Porque todo mundo tem direitos, mas nos territórios, frequentemente, isso não chega. Já pensou ter que lutar para ter um CEP na sua casa? O SAMU não entrar onde você mora? O caminhão de lixo não passa na sua rua? E são as mulheres que estão lá garantindo que a comunidade tenha acesso.
É impressionante o conhecimento acumulado que cada uma tem de seu território. Das dificuldades pessoais dos moradores até conflitos territoriais. E quanta solução elas encontram! Garantindo transporte para as crianças irem pra escola, instalando lixeira comunitária, mudando rota de ônibus. São as mulheres cumprindo, muitas vezes, o papel do Estado.
Fizemos também um mapa de redes dos territórios para pensar com quem elas contam para solucionar esses problemas no dia a dia… Quem procuram para resolver os conflitos? Quem pode ser acionado com um pouco mais de esforço?
E o que percebemos é que na maior parte das vezes, as mulheres contam com pouco ou nenhum apoio além delas mesmas. É por isso que precisamos investir nas REDES de CUIDADO! Porque a vida vivível passa por viabilizar o acesso à serviços essenciais para si e para os outros, mas também por não estar só nesta luta!
Então como é possível ir se apoiando para tornar essa vida vivível? Porque cada uma tem um caminho, um jeito de resolver as coisas… Podemos aprender com outras experiências para construir estratégias coletivas.
Quais processos de autodefesa estão se erguendo em seu território? Como a gente conquista e assegura direitos sociais? Faz sentido ao território disputar o Estado? Como a gente se defende pela nossa própria autonomia? Como o Estado e o Capital se misturam para nos atacar? Estes foram alguns dos temas debatidos em nosso oitavo encontro do curso.
A oficina foi sobre “autodefesa territorial nas relações com o Estado/Mercado e o fortalecimento de nossas estratégias”. O encontro também foi um momento de fazer, coletivamente, uma análise conjuntural na perspectiva de quem está à frente da luta nas periferias como promotoras de rede de cuidado territorial.
Através da auto-organização criamos dispositivos na luta por direitos para a defesa de nossos territórios. Cultura, formação, agroecologia, lazer é o que está em jogo neste processo — conquistas que chegam apenas depois de muita luta das mulheres da comunidade e são difíceis de manter.
Quando nos aprofundamos na reflexão sobre a relação entre o estado e os territórios, fica evidente que alterna entre ausência, intermitência, barganha e tensão. O Estado só aparece espontaneamente na figura de uma polícia perseguidora e racista, pra cortar uma luz, na falta de exames, no agrotóxico na nossa comida. E se torna ameaça ao invés de garantidor de direitos.
Buscamos estratégias de consolidação de direitos através de políticas públicas voltadas para o povo da periferia, desejando que o estado possa ser um espaço de disputa democrática. Para isso é preciso que mais de nós estejamos na institucionalidade. Aliadas e aliados nos espaços de poder.
Então, como promotoras territoriais de REDES de CUIDADO, precisamos articular também com a sociedade civil organizada e manter as mulheres mobilizadas para, além do estado, garantirmos a autodefesa.
Já no nono e décimo encontro partimos de “Sonhar futuros possíveis” até chegar em formas de viabilizar a manutenção do próprio grupo de mulheres reunidas em torno desse projeto.
Considerando que quando estamos juntas, conseguimos estar vivas, melhores, garantir a vida – nossa e dos nossos-, garantir nossos direitos. Então é preciso permanecer assim: unidas!
E como podemos fortalecer, com os recursos que a gente tem, a REDE de CUIDADOS das Mulheres em Defesa da Vida de forma autônoma? Como podemos garantir a autodefesa dos nossos territórios? Como o grupo, que já está há três anos juntas, pode pensar estratégias possíveis para o que está por vir?
A primeira resposta, quase unânime, foi manter o autocuidado – é preciso estar bem para cuidar do outro. A segunda, não menos importante, foi manter o vínculo – e criar outros – com mulheres de diferentes territórios. Porque a força coletiva, a troca de saberes e de afetos é o que sustenta o cotidiano.
E um projeto de futuro começou a se desenhar. As mulheres destacaram a articulação política e aproximação com outros grupos de mulheres como ações fundamentais e estratégicas! Também mapearam a necessidade de criar formas autogestionadas para arrecadar fundos e buscar parcerias.
Propostas de mutirões itinerantes, hortas e eventos nos territórios até turismo de base comunitária e desenvolvimento de produtos. Porque não vai ter nenhum passo atrás! E a caminhada é de mãos dadas. No fortalecimento de nossa REDE de CUIDADOS e na autodefesa dos territórios.
Uma roda de mulheres marcou o décimo primeiro encontro, na Vila Bispo de Maura, em Ribeirão das Neves, em um dia de troca com as mulheres do Ribeirão em Defesa da Vida.
Uma ponte entre mulheres que fazem a política do cotidiano e mulheres que hoje defendem esta política nos espaços institucionais e as transformam em políticas públicas. Acreditamos que essa troca, e a chegada dessas mulheres em espaços de poder, permite que as lutas se renovem e a política possa começar a refletir a realidade das mulheres nas periferias.
Quando se fala de políticas públicas pode parecer algo distante, mas ouvimos de cada uma que estava ali, como elas transformaram a vida. Seja com Bolsa Família, chuveiro em casa pela primeira vez, merenda de qualidade nas escolas, lei da empregada doméstica ou acesso à universidade. Foi um momento de partilha em que ouvimos as trajetórias e percebemos enfrentamentos comuns.
O décimo segundo encontro foi o encerramento de uma etapa – finalizou-se o “Curso de formação para promotoras territoriais de redes de cuidado” do projeto Mulheres em Defesa da e o início de outra: o curso “Saberes em gestão e comercialização para iniciativas populares”.
Em meio a natureza, houve uma grande celebração junto a diversas mulheres – muitas inclusive que já participaram de encontros com as mulheres do Ribeirão em Defesa da Vida –, de diferentes territórios. Um dia de cuidado, água floral, reflexões coletivas – aprendizagens com a mestra Tantinha, que jamais serão esquecidas.
Como vamos seguir? Como vamos nos organizar? Como vamos manter nossos encontros? O que funciona na comunidade? Em cada território podemos começar a gerar fundos pra bancar nossos encontros? Quais os projetos para seguirmos unidas? Como aprimorar nossa formação política? Nosso autocuidado? Agora, de outro lugar, uma certeza nós temos: queremos estar juntas! PRECISAMOS estar juntas para sermos este enorme Ribeirão que cresce quando se encontra!
Concluímos o dia com celebração e honraria a estas mulheres pela dedicação, luta e persistência em viver. Na entrega de diplomas, tivemos a presença de nossas inspirações – como somos feitas de outras – e é pelas mãos delas que seremos reconhecidas. Ao final, carinhosamente as chamamos de madrinhas: Ana da Ocupação Izidora entregou o diploma para Ana Azevedo; Valéria recebeu pelas mãos da jovem mestra Crisangela; Isabel pelas mãos de Lúcia da Ocupação Tomás Balduíno; por Tantinha do Ervanário São Francisco foi que Marluce foi certificada de raizeira a raizeira; Jane recebeu seu diploma por Suely da Coopersol; Claudineia Vila das Antenas entregou para Lia; e Camila, firmando ainda mais está irmandade, recebeu pela mãos da Alexandra da Ocupação Paulo freire.