Facebook
YouTube
Instagram
NOTÍCIAS

Entendendo melhor a economia popular e solidária com o Grupo Colmeia

Conversamos com Sibelle Diniz, professora da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenadora do Grupo Colmeia, sobre a construção social de mercados e sua relação com economia popular e também sobre os processos de comercialização da agricultura familiar de base agroecológica na região metropolitana de Belo Horizonte.

 

Quais são os principais elementos e características que você destaca sobre a dinâmica capitalista atual? 

Sibelle: O Polanyi associa o processo de formação do capitalismo a um processo de “mercadificação” das relações sociais no sentido mais amplo, especialmente a partir da criação de mercadorias fictícias. Dentro dessas mercadorias entende-se o trabalho e a terra. Vivemos processos de mercadificação do trabalho, da terra e da natureza, ou seja, uma compreensão dessas atividades e desse atores humanos e não-humanos como mercadorias. Atualmente esses processos são associados com a intensificação da precarização do trabalho, com a redução dos direitos trabalhistas, com o aprofundamento das crises  e catástrofes ambientais, todos os indicadores do desmatamento e do aquecimento global. 

 

Nos conte sobre o conceito de economia popular e como ele faz contraponto à dinâmica capitalista descrita anteriormente? Além disso como essas economias se relacionam com as práticas agroecológicas?

Sibelle: A Economia Popular, é o conjunto de atividades e práticas econômicas desenvolvidas pelos trabalhadores a partir do que eles têm disponível para o trabalho em termos de propriedade tanto material quanto imaterial, que se organiza a partir de unidades domésticas, que podem ser as famílias, mas que podem ser também grupos étnicos, comunidades de vizinhos, pequenos grupos de amigos, redes de produtores, e tem como característica central, uma racionalidade distinta da de empresa que é tida como a busca pelo lucro, e nas unidades da economia popular a racionalidade se volta para a reprodução da vida cotidiana. Então, são unidades que se organizam para a própria reprodução, para a melhora das condições de vida das pessoas envolvidas. (…) Há uma fusão entre os meios de vida e os meios de produção. Ou seja, é um conjunto heterogêneo e distinto de práticas, e o nosso esforço no Colmeia é de compreensão dessa heterogeneidade, da complexidade, e do papel que essa economia tem na atualidade. Com relação à proximidade entre a economia popular e a agricultura, quando pensamos na agricultura familiar, aquela de pequena escala, que se organiza realmente em torno da família buscando a reprodução da vida familiar, ou nos grupos de agroecologia que se organizam em coletivos, em redes e que buscam se apoiar por meio da comercialização conjunta e/ou processos formativos é possível ver a agroecologia como um conjunto de práticas que compõem a economia popular que tem esse papel fundamental que é de produção de alimentos, ou seja, bens essenciais, para além de outras características fundamentais como a perpetuação dos conhecimentos tradicionais, sobre as plantas, a flora, e também a geração de trabalho e renda. É importante reforçar a dimensão econômica dessas práticas.

 

O que é a economia feminista e quais as perspectivas que ela aponta para a reorganização dos sistemas alimentares, especialmente nos contextos urbanos metropolitanos? 

Sibelle: As análises econômicas de um modo geral são muito centradas na ideia das transações que acontecem nos mercados a partir dos preços. Portanto, o que a economia feminista vem mostrar trata-se de uma visão simplista sobre os processos econômicos porque, na realidade, os agentes econômicos são plurais, e especialmente, quando se trata das mulheres, há uma lógica de inserção nos mercados de trabalho e de produção que é diferente. A racionalidade do trabalho feminino é muito mais próxima da lógica reprodutiva e esse trabalho é invisibilizado pelas teorias dominantes. Ela também vêm ressaltar a peculiaridade da inserção das mulheres no sistema econômico, a relevância dos trabalhos de cuidado e da funcionalidade, ou seja, quando as mulheres se alocam prioritariamente nos espaços domésticos e os homens ocupam as esferas públicas, cria-se uma lógica que associa o capitalismo a processos políticos, de modo mais amplo, ao patriarcado. Em relação aos sistemas agroalimentares, eu entendo que a compreensão da economia feminista nos permite valorizar o trabalho de cuidado que as mulheres desenvolveram nos sistemas agroalimentares ao longo do século, inclusive, o trabalho de cuidado com o repasse e a manutenção de certas práticas de conhecimento fundamentais. O cuidado, em termos dessa manutenção de sistemas de conhecimentos tradicionais são extremamente ricos e relevantes, e acho que temos esse desafio de ampliar o número de mulheres nos processos de decisão e de transformar todo o avanço que tivemos nos discursos em avanços nas práticas cotidianas, especialmente dentro das famílias.

 

Quais são os impactos da pandemia que incidem sobre os trabalhadores de economia solidária, especialmente sobre a população negra, mulheres e LGBTQIA+?

Sibelle: Boa parte desses trabalhadores atuam na informalidade, ou seja, não tem contratos de trabalho, não tem acesso a seguridade social. Boa parte desses trabalhadores (…) dependem da circulação de pessoas no território especialmente para a comercialização. (…) No contexto da pandemia ocorreu uma redução drástica da circulação de pessoas na cidade, dificultando a comercialização presencial. (…) O que observamos foi um impacto muito significativo e imediato sobre a economia popular e solidária. Esse impacto, porém, é distribuído desigualmente. 

Segundo todos os estudos de mercado de trabalho conhecidos, as mulheres negras compõem o grupo com maior envolvimento em ocupações precárias, com menor rendimento ao longo do mês, com maior percentual de informalidade, ou seja, elas são as mais presentes em todos esses indicadores de precarização do trabalho e da vida que  pode-se pensar. Pensando nesse subgrupo, e pensando também nesse grupos de mulheres, negros e negras e LGBTQI+ que residem nas periferias urbanas a gente soma um conjunto de outras prioridades que vão além da precarização do trabalho, como um acesso mais dificultado aos sistemas de saúde, aos equipamentos de proteção ao coronavirus, uma maior incidência de conflitos familiares gerando a violência doméstica, especialmente no caso das mulheres mas também nos casos dos jovens e adolescentes LGBTQIA+, portanto, podemos observar impactos multiplos da pandemia sobre essas populações, e elas não são populações homegêneas, dentro de cada grupo desse há uma distribuição dos impactos desigual.

 

Nessa linha das experiências, quais seriam as alternativas e tendências econômicas potentes para promover justiça social e ambiental, especialmente no contexto da economia popular e, se achar que convém, também desse momento econômico e político que estamos vivendo? Quais alternativas estão sendo criadas, que os movimentos populares e a sociedade como um todo tem apresentado para promover justiça social e ambiental?

Sibelle: Nós temos visto uma movimentação dos coletivos, no sentido de apoiar os trabalhadores/as da economia popular, e parte dos empreendimentos conseguindo se organizar para a comercialização não presencial, através, por exemplo, de vendas online.Recentemente, nós do Colméia, contribuímos na elaboração de um documento de plano de recuperação da economia popular. Dentro das propostas eu quero ressaltar aqui o apoio à comercialização e o papel das compras públicas, que foram interrompidas em alguns lugares do país. Este é um momento que as compras públicas precisam ser fortalecidas e existe um espaço enorme para o apoio à essas práticas pelo setor público.Pensando utopicamente, vejo que a pandemia também nos revela a intensidade dos processos de precarização do trabalho e de mercadificação da natureza, e dá luz na necessidade de alternativas. Acho que ao mesmo tempo que o cenário se mostra cada vez pior em termos de trabalho, ele vai revelando a importância das alternativas.